Por Rodrigo Corrêa de Barros*
Nos anos 1980, vender imóveis era um processo científico, que exigia extremado zelo pelo cliente, preparo para compreender plantas arquitetônicas, tabelas de preços variáveis e compreensão tanto da dinâmica inflacionária quanto da econômica, assim como conhecimento sobre processos construtivos e vigor, fundamentalmente, para acompanhar uma inflação que era o mais poderoso desestimulante para o mundo corporativo.
Em 1990 o processo de venda imobiliária passou por uma sensível modificação, revelando que os profissionais, depois do Plano Real, precisavam compreender planilhas, planejamento de obra, contas de investimento, risco de operações financeiras e adicionar tais fundamentos aos que já tinham obtido nos anos anteriores. A corretagem ganhou ares de carreira executiva, muitos dos donos das imobiliárias bem sucedidas na virada do século se formaram neste cenário de inflação zero, dólar par a par com a nova moeda e o vislumbre quanto ao possível crescimento econômico de uma década marcada pelos primeiros sites, constante troca de e-mails: os primeiros sinais de que o fax estava condenado. Essa é a década do Ecoville, que surge no meio do nada para se tornar um bairro verde, com um plano diretor atual a atraente.
No dia 1 de janeiro de 2000, a revolução comportamental se pronunciou de modo direto, revelando novidades inéditas para o mercado brasileiro. Nasce o Viagra, a indústria de alimentos investe pesado no crescente mercado de solteiros, os apartamentos começaram a diminuir, surgem os lofts e flats como opção de portfólio patrimonial e de moradia conceitual e a volumetria dos edifícios começa a ficar limpa, retilínea e purista. O corretor desta época se notabiliza pela argumentação elaborada, fundamental para vencer um concorrente de peso: os automóveis de alta tecnologia que começam a ganhar terreno no coração dos compradores que passam a postergar trocar o imóvel para dirigir um carro com a novidade da década para os brasileiros: o air bag. Essa foi também uma era de grandes revoluções comerciais: as imobiliárias começam a entender de pesquisa, investem nos primeiros sistemas de CRM e passam a falar com o cliente diretamente, sem intermediários.
Chegam os anos 2010 e o modelo comercial das empresas do segmento imobiliário em todo o Brasil se modifica de vez. O mercado financeiro volta os olhos para a construção civil e muda o drive de negócios: agora os imóveis passam a ser – equivocadamente – commodities nas mãos dos executivos interessados em produzir o máximo possível para assegurar rentabilidade para investidores e acionistas. Houve grave descompasso entre o que se construía e o que realmente o mercado poderia absorver. As economias dos países emergentes despontam como grande sensação no cenário mundial, inflando artificialmente o ânimo de gestores e políticos. O consumidor crê ter mais potencial de compra do que nunca e as imobiliárias explodem seus quadros de corretores, dando origem a uma das mais controversas máximas do segmento: a de que se cada um dos setecentos corretores vendesse um imóvel, haveria grande produção assegurada. Mas havia uma pedra no caminho dos recordes: o próprio corretor.
A grande maioria dos que iam para a mesa de negociação nem de longe carregavam a herança dos profissionais das décadas anteriores.
Agora eles são inexperientes demais, todos com alguma pretensão de ficar ricos naquele mercado dinâmico e aparentemente infinito e para isso entabulam muitos negócios em sequência, e de modo superficial. Desconheciam arquitetura e engenharia, não sabiam ler plantas, perdiam-se na matemática – a maioria abomina a HP 12C – e para qualquer informação mais detalhada a respeito do produto recorriam a um gestor, que corria de um lado para outro como um professor de jardim de infância, a atender os mimados.
Enfim, chegamos aos anos 2018 em severa e previsível crise. Sem dinheiro circulante e com a economia pálida demais para encorajar novos negócios de expressão o mercado imobiliário assume um incômodo lugar de coadjuvante e deixa espólios de uma era de fragilidades e, sobretudo, de nenhum senso crítico.
Os corretores que permanecem nas trincheiras, quase todos herdeiros do boom, ignoram a história de sucessos da velha guarda, que lutava pelo cliente palmo a palmo. Atuam como vendedores da era digital, porém, respondem mal a e-mails ou tags do Facebook, cometendo graves ataques à gramática. Esperam que a prospecção ativa parta das áreas de marketing, que por sua vez buscam clientes cada vez mais qualificados nas redes sociais, cada vez menos relevantes, ou apostam fichas demais em sistemas de Inbound que, no final, irá depender do atendimento ultra capacitado de um corretor para celebrar contratos em série.
O futuro da profissão, se algo não for feito desde agora, não é bom. A crise irá arrefecer e o mercado cicatrizará, mas penso que na próxima década não viveremos mais nenhuma explosão de consumo. Então, obviamente teremos a luta pelo cliente como constante em todos os segmentos da economia e haverá sempre a necessidade de atendimento técnico qualificado, customizado, sem o caráter robótico. O toque pessoal, o carisma e o conhecimento pleno são bônus corporativos que se destacam ainda mais num mundo padronizado.
As áreas de marketing – tal qual o lobo que, criado em cativeiro come carne sangrenta pela primeira vez e se lambuza – experimentaram o saboroso prazer da participação nos resultados comerciais e se tornaram os principais concorrentes dos corretores, numa autofagia dramática. Em busca de soluções inovadoras para vender mais, as companhias provocam a colisão entre as áreas que deveriam atuar unidas.
Há bilhões de Reais em estoque parado no Brasil, à espera de corretores que saibam vender como aqueles dos anos 1980. Que compreendam as mudanças da economia, como os profissionais dos anos 1990. Que saibam usar as ferramentas on e off line como os profissionais dos anos 2000 e que, acima de tudo, olhem para si mesmos a ponto de reconhecer que precisam se reinventar para continuar a fazer bons negócios imobiliários.
*É analista de mercado e diretor da Cross Marketing
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