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Armando Luiz Rovai

Discute-se, com a melhor das intenções, um anteprojeto de Medida Provisória que proíbe que o Registro de Imóveis analise juridicamente os contratos que transferem a propriedade e constituem garantias imobiliárias.

Neste novo modelo, o cartório registra resumos digitais apresentados unilateralmente, por um interessado ou qualquer uma das partes.

É isso mesmo. O cartório não mais verificará a correção jurídica do contrato que transfere a propriedade das famílias brasileiras. O cartório aceitará, como correto, um resumo eletrônico de um contrato que estará proibido de analisar.

Podemos adiantar as consequências desta proposta, sob o ponto de vista da segurança jurídica.
 

Primeiro, os Registradores não serão mais responsáveis pela correção dos atos de registro. A responsabilidade civil e criminal passará dos cartórios para a pessoa que apresentar o resumo digital ao Registro de Imóveis. Se alguém perder sua propriedade por um erro do resumo digital somente poderá demandar judicialmente o apresentante deste resumo, seja este uma instituição financeira ou um particular qualquer. O cartório já não terá mais nada a ver com isso.
 

Segundo, a porta do Registro de Imóveis estará aberta para recepcionar todo o tipo de fraudes. Qualquer apresentante poderá modificar a situação jurídica alheia ou própria mediante simples apresentação de resumo eletrônico. O Brasil será o paraíso para aqueles interessados em sumir com os próprios bens do alcance de credores ou dos estelionatários interessados em vender os bens alheios.
 

Os cartórios, que no modelo atual impedem que fraudes ocorram, estarão impedidos de cumprir sua função institucional.

Para os proprietários, credores e compradores esta proposta cria risco e diminui a segurança.
 

O Custo Brasil aumentará com fim da análise jurídica dos contratos pelos Registradores, piorando ainda mais o ambiente de negócios.
 

Economias desenvolvidas contam com Registros de Direitos, como o que temos hoje no Brasil há mais de um século. É o caso de Alemanha, Inglaterra e Espanha, por exemplo. Nestes países é justamente a análise jurídica dos Registradores que garante a confiança e a certeza na contratação sobre direitos imobiliários.
 

A função que os Registradores Imobiliários realizam é a de “depurar” direitos, permitindo que somente obtenha registro em cartório o que é correto. Somente assim a sociedade pode confiar no que está inscrito e fazer negócios em um mercado impessoal em que as pessoas, de fato, não se conhecem.
 

Nas palavras de Fernando Mendéz González, registrador imobiliário de Barcelona e diretor da European Land Registry Association: “Quando o registrador exercita a qualificação registral, não está a representar os interesses das partes, mas os de toda a sociedade, vigiando para que não se violem normas imperativas na aquisição imobiliária. Nesse caso, deferindo o registro, dá-se o reconhecimento da titularidade pelo próprio Estado”. 
 

Os tempos que vivemos, de vazamentos de dados pessoais e de tentativas de hackers em violar processos, pedem responsabilidade, prudência e segurança nas propostas de mudança legislativa.
 

A sociedade brasileira é a favor dos avanços na digitalização e da desburocratização das funções públicas, que não se confundem com insegurança jurídica.
 

A melhoria no ambiente de negócios em nosso país implica no aumento da segurança jurídica.
 

Certamente haverá um aprofundamento da proposta, em benefício do crédito imobiliário, da segurança jurídica, da continuidade da atividade produtiva, a fim de tornar o Brasil mais confiável no cenário nacional e internacional.

Armando Luiz Rovai é doutor em Direito pela PUC/SP e professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo e do Ipem/Sp. Foi Secretário Nacional do Consumidor – Senacon.